Em 17 de fevereiro de 2009 o Kosovo completou um ano da sua declaração de independência. A decisão saiu após decisão unânime da Assembleia local.
O novo status da antiga província de maioria albanesa - que pertencia à Sérvia – ainda não tem pleno reconhecimento da comunidade internacional. Apenas 52 países já reconheceram o antigo território como Estado independente. Entre eles, grandes potências como EUA, França, Alemanha, Itália e Reino Unido. A grande maioria dos países, entre eles o Brasil, aguarda o reconhecimento por parte da ONU para também seguirem o mesmo caminho.
Já outros, como Espanha, Rússia e China, se juntam à Sérvia na negação completa de reconhecer o novo Estado. Em comum, essas nações enfrentam em seu território movimentos separatistas, e creem que reconhecer a independência kosovar pode abrir um precedente perigoso que os estimule. Na verdade, há muito mais em jogo - aspectos econômicos, políticos, históricos e também elementos subjetivos ligados à nacionalidade e identidade dos povos da região.
Histórico
As matérias que saem na grande mídia seguem ignorando fatores importantes relacionados à independência do Kosovo. O principal deles é entender de onde vem a fixação sérvia pela região, que possui raízes histórias profundas. Para comparar, em 2006 Montenegro se separou da Sérvia em plebiscito, acabando de vez com o que restava da antiga Iugoslávia, e a resistência apresentada pelos sérvios foi muito menor.
A explicação está na Batalha de Kosovo-Polje, em 28 de julho de 1389 (não confundir com a Guerra do Kosovo, ocorrida em 1999). Nela, o então império sérvio foi derrotado na região do Kosovo por outro império em franca expansão na época, o Otomano. Seguiram-se então quase cinco séculos até a retomada da independência sérvia, em 1875. Mas o Kosovo já estava ocupado majoritarimente por albaneses (representam 90% da população da região), apesar de estarem lá os principais santuários cristãos ortodoxos, religião predominante na Sérvia. Formalmente o Kosovo era parte da Sérvia, mas a realidade não apontava isso.
A crise da antiga Iugoslávia acirrou as divergências entre as repúblicas e povos que compunham o país, que buscavam maior autonomia ou mesmo a independência de fato. Nesse contexto, em 1989, o então presidente da República Sérvia da Iugoslávia, Slobodan Milosevic, faz um discurso conclamando o povo a lutar pela Grande Sérvia. Isso nada mais era que a alusão ao antigo Império Sérvio, derrtoado pelos Otomanos e que deveria ser retomado, exatamente no dia em que a fatídica batalha completava 600 anos. E essa luta começaria pela região considerada o "berço da cultura sérvia", exatamente o Kosovo. Há quem considere que esse discurso de Milosevic foi o começo do fim da Iugoslávia, que se desintegrou no decorrer da década de 1990.
Durante esse tempo, o Kosovo seguiu sua luta pela independência. Mas em 1998, as forças de Slobodan Milosevic, então presidente da Iugoslávia, buscou conter o furor separatista. A intervenção de Milosevic na região leva a Otan, liderada pelos EUA, a atacar a Iugoslávia no ano seguinte. Tinha início a Guerra do Kosovo, que durou três meses e o que mais fez foi destruir pontes em Belgrado, capital iugoslava. Ao final do conflito, o Kosovo continuou como província sérvia, mas sob administração da ONU. Milosevic morreu em Haia em 11 de março de 2006 enquanto aguardava julgamento pelas acusações de crimes de guerra – entre elas, a do Kosovo.
Nesse contexto, o Kosovo passou a desenvolver, mesmo que precariamente, suas próprias instituições democráticas, conquistando eleições livres para presidente e primeiro-ministro. No fim de 2007, o finlandês Martti Ahtisaari é incumbido pela ONU de elaborar um plano que tentasse resolver de vez a questão kosovar. Seu relatório final sugeria a independência do Kosovo, mas sob supervisão internacional. Foi com base nesse parecer de Ahtisaari que em 17 de fevereiro de 2008 a assembleia kosovar decide, por unanimidade, declarar de forma unilateral ,a independência da província frente à Sérvia.
Forças envolvidas
A Sérvia fala para quem quiser ouvir que não aceitará o Kosovo independente. E Belgrado tenta reincorporar a sua antiga província de diversas formas - mas sempre diz que não usará força militar. Há uma porção no norte do território - onde os sérvios são maioria e centrada especialmente na cidade de Mitrovica - que se recusa a seguir qualquer determinação que venha da caital kosovar, Pristina. Para eles, a capital do país em que vivem segue sendo Belgrado.
A Sérvia conta com o apoio especialmente de um aliado histórico, a Rússia - que, por meio da Sérvia, tenta ainda fazer valer sua influência sobre os países do antigo bloco antes comandado pela União Soviética. Os EUA, sabendo da importância estratégica da região (próxima do Oriente Médio e das regiões produtoras de petróleo do Cáucaso), também procuram colocar seus pés nos Bálcãs - a intervenção da Otan, capitaneada pelos EUA na Guerra do Kosovo, teria também como objetivo intimidar os sérvios (e indiretamente, os russos).
Coincidência ou não, é em um país da região, a Albânia (da mesma etnia que 90% do Kosovo) onde o ex-presidente dos EUA, George W. Bush, gozava de maior popularidade - Bush foi um dos que reconheceu a independência kosovar.
É da Albânia que vem uma outra força menor em jogo, mas que vale ser mencionada. É a "Vetvendosja" ("Autodeterminação"), que defende a união do Kosovo com a vizinha Albânia. Durante a Guerra do Kosovo, em 1999, or volta de 300 mil kosovares se refugiaram na Albânia. Apesar desse desejo secreto de alguns albaneses (que também sonham com uma "Grande Albânia"), a tendência é para o Kosovo seguir, mesmo que aos trancos e barrancos, como Estado independente.
Desafios futuros
Hoje, o Kosovo luta para sobreviver como um Estado. Ainda sem grande apoio da comunidade internacional (apesar de reconhecido por algumas das principais potências mundiais e incentivado pelas mesmas), o novo país luta para se desenvolver em um meio onde a corrupção e o nepotismo são práticas corriqueiras. As remessas de kosovares que vivem no exterior tem importância vital para a frágil economia nacional, que registra até 80% de desemprego em certas regiões do país. É considerado também ponto importante na rota do tráfico de drogas entre os países do Oriente Médio e a Europa. Especula-se também que tenha reservas de urânio em seu território.
Outro desafio será acertar os ponteiros com a Sérvia, tarefa bastante árdua. "A eleição na Sérvia de um governo mais favorável à Europa não muda nada em relação a Kosovo", afirma Olivier Ivanovic, secretário de estado do ministério sérvio para o Kosovo ao jornal Le Monde. "Me surpreende que os ocidentais não compreendam isso. [O presidente sérvio, Boris) Tadic ou [o ex-primeiro ministro sérvio Vojislav] Kustunica, pouco importa. Kosovo não é uma história encerrada para nós."
Historicamente, nunca foi um caso encerrado. E se depender dos nacionalistas sérvios (que devem ganhar força com a crise econômica tomando o mundo de assalto), ela está longe de terminar. E os Bálcãs assim ganham mais um capítulo em sua conturbada história.
Integrado à Servia ou não, o Kosovo jamais vai se submeter a Belgrado. E sua independência era algo inevitável, uma questão de tempo apenas. Agora como fato consumado, caberá à comunidade internacional não fechar os olhos a esse novo problema na região e cuidar para que não ocorram novos conflitos como os que assolaram a região nas últimas décadas.
Por trás da questão Sérvia-Kosovo está talvez o maior desafio dos Bálcãs: encontrar o equilíbrio entre a cooperação regional e a identidade de cada povo – sem que uma entre em choque com a outra. Enquanto isso, segue inacabada a história da independência do Kosovo.
Dados gerais sobre o Kosovo:
NOME: República do Kosovo (autoproclamada).
LOCALIZAÇÃO: Sudeste da Europa. Sem acesso ao mar, faz fronteira com Albânia e Macedônia (sul), Sérvia (norte) e Montenegro (oeste).
SUPERFÍCIE: 10.887 quilômetros quadrados.
POPULAÇÃO: 2,3 milhões de habitantes, com 65% de jovens.
COMPOSIÇÃO: Albaneses (90%); sérvios, montenegrinos, ciganos, turcos, bósnios e croatas (10%).
POPULAÇÃO URBANA: 35%.
CAPITAL: Pristina, com cerca de 500 mil habitantes.
PRESIDENTE: Fatmir Sejdiu (Liga Democrática do Kosovo, LDK).
PRIMEIRO-MINISTRO: Hashem Thaçi (Partido Democrático do Kosovo, KDP).
LEGISLATIVO: Assembléia do Kosovo, com 120 cadeiras - dez são reservadas para sérvios e outras dez para as minorias restantes.
ECONOMIA: A economia do Kosovo passa por grave crise. A situação não melhorou com o autoproclamado status do país. A taxa de desemprego chega em algumas regiões a 80%, e a corrupção e o nepotismo são fenômenos muito estendidos. A renda per capita kosovar é estimada em cerca de US$ 1.500 por ano. Muitas famílias locais sobrevivem graças a remessas enviadas por parentes que migraram para o exterior, sobretudo para Suíça e Alemanha.
SITUAÇÃO: Ocupando 15% do território da Sérvia, a província do Kosovo (sul) autoproclamou sua independência de Belgrado em 17 de fevereiro de 2008.
No link da Foreign Police, uma boa galeria de imagens: