segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Kosovo, um nó difícil de desatar

Não adianta tentar identificar mocinhos e bandidos nessa história toda. Dentre os poderosos de Sérvia e Kosovo, bem como de outros países da região dos Bálcãs, é difícil encontrar alguém que não tem ou teve algum tipo de ligação com alguma atividade ilegal – crimes de guerra, corrupção, tráfico de armas, órgãos, etc.


É nesse contexto histórico-político que se encaixa a denúncia que atinge Hashim Thaçi, primeiro-ministro do Kosovo. Ex-guerrilheiro do Exército de Liberação de Kosovo (ELK), que liderou uma insurgência contra a Sérvia (1998-1999), o atual premiê é apontado como comandante de uma organização criminosa albanesa chamada Drenica, que trafica armas, drogas e órgãos humanos na Europa oriental.

A conclusão é de um relatório elaborado pelo Conselho da Europa, que também acusa o suposto grupo de Thaçi de ser responsável por “assassinatos, detenções, espancamentos e interrogatórios”, além de sequestro de sérvios, cujos órgãos depois eram vendidos no mercado negro. O relatório destaca que a comunidade internacional deplorou as atitudes de Belgrado, mas teria se omitido a respeito dos crimes do ELK.

O governo kosovar acusa a Sérvia de estar por trás das acusações contra Thaçi. No entanto, o relatório do Conselho da Europa partiu de denúncias feitas em 2008 pela ex-promotora do Tribunal Penal Internacional para a Antiga Iugoslávia, Carla del Ponte, e aprofundadas em reportagens de Michael Montgomery e Altin Raxhimi, do Centro de Jornalismo Investigativo (EUA) e da Rede de Jornalismo Investigativo dos Bálcãs – ou seja, estão dotadas de forte base.

Para Belgrado, as acusações contra a cúpula do governo de Kosovo constituem mais um argumento contra a declaração de independência da antiga província. Para Pristina, o relatório é visto como uma forma de tentar deslegitimar o jovem Estado.

Desde a independência, o Kosovo se debate para consolidar a emancipação frente à Sérvia, mas as dificuldades são evidentes. A infraestrutura e a economia são frágies, e o desemprego atinge de 40% a 50% da população, deixando um terreno fértil para o desenvolvimento de uma economia informal, dominada pelo contrabando e pelo crime organizado. Para alguns analistas, o Kosovo é um Estado dominado por quadrilhas de traficantes – drogas, armas, órgãos –, com envolvimento direto ou indireto das autoridades atualmente no poder.

O que existe no Kosovo pode ser observado em menor escala em praticamente toda a região que estava do lado oriental da então “Cortina de Ferro”. O colapso do modelo econômico inspirado na União Soviética e a passagem para o regime capitalista da noite para o dia deixaram um terreno fértil para o desenvolvimento da corrupção e o crime organizado, que já haviam florescido nos anos derradeiros do regime “socialista” (se é que realmente tenha existido de fato um regime assim nesses países).

O nó representado pelo Kosovo, cada vez mais apertado pelo contexto econômico e pelos elementos nacionalistas mostra-se cada vez mais difícil de ser desatado. A independência kosovar é um fato consumado, com ou sem aprovação sérvia e de parte da comunidade internacional. Mas o maior erro que esta pode cometer em relação ao Kosovo é fazer vista grossa à situação do país e deixar o novo Estado à própria sorte, dando continuidade à postura de omissão que assumiu na maioria dos casos perante aos Bálcãs. O relatório do Conselho da Europa é um grande passo para expor a gravidade da situação, mas simplesmente apontar o dedo não basta. É preciso punir os criminosos e dotar o Kosovo do que for necessário para o país se desenvolver, sem a “ajuda” de organizações criminosas.

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