sábado, 29 de novembro de 2008

“Não confie em ninguém, nem na gente” - O Caso da Rádio B92

A Rádio B92 surgiu em Belgrado (capital da Sérvia) em 15 de maio de 1989, dia do aniversário de Josif Broz Tito – herói nacional da então Iugoslávia e seu presidente entre 1945 e 1980, ano de sua morte – e com a permissão do Partido Comunista. Formada por estudantes, estava prevista para ficar no ar por 15 dias apenas. Após esse prazo, ela continuou no ar, mesmo na ilegalidade. E mais, existe até hoje, e não apenas como emissora de rádio, mas também na Web e na televisão.


Ela ficou conhecida internacionalmente por sua posição de contestação ao regime de Slobodan Milosevic, que dominava o cenário político na região na década de 1990. O jornalismo que produzia era crítico, ácido e opositor a Milosevic, ao contrário das demais emissoras, como a estatal RTS (Radio Televizija Srbije, hoje emissora pública do país). Sua programação musical era extremamente alternativa, calcada principalmente no Hip Hop e no Rock, em oposição ao “turbo folk” (um híbrido de pop-rock europeu de baixa qualidade com o folk sérvio), considerado “alienante” e que predominava nas demais emissoras.

Mas o mais curioso dessa rádio era seu antigo slogan, “não confie em ninguém, nem na gente”. Segundo Veran Matic, seu atual CEO e um dos fundadores da emissora, ele visava fazer a população pensar por si própria, e não se deixar levar única e simplesmente pelo que era noticiado pela mídia, seja ela qual fosse.

Assim, a rádio, grosso modo, ajudou a mostrar que a Iugoslávia, e mais especificamente a Sérvia, não eram a imagem e semelhança de seu tirânico governante. Suas idéias não apenas entre os jovens do underground sérvio, seu público-alvo imediato. Prova disso é que a emissora foi fechada quatro vezes entre os anos de 1991 e 2000, e sofreu intervenções estatais, como a substituição de todos os seus funcionários por jornalistas e burocratas do regime em um determinado período. A história da B92 está resumida no livro Rádio Guerrilha – Rock e Resistência em Belgrado, lançado no Brasil pela Editora Barracuda (abaixo, a capa do livro).


O regime de Milosevic caiu em 2000; a Iugoslávia não existe mais (se fragmentou em sete Estados, entre eles a Sérvia, atual país-sede da emissora), assim como o próprio Milosevic, que morreu em 2006 em Haia, enquanto era julgado por crimes de guerra. E a B92, antes uma rádio cujo sinal mal conseguia ultrapassar os limites de Belgrado, se tornou uma das maiores organizações de mídia dos Bálcãs.

Mas essa transição, que possibilitou seu crescimento, foi traumática e teve seu preço. Os críticos dizem que a B92, ao se abrir para o mercado, perdeu sua garra, característica; e que ainda mantém relevância graças ao capital simbólico que acumulou durante a era Milosevic. Agora, com funcionários que não estão lá por uma causa efetiva, a B92 teria se tornado apenas “mais uma” do mainstream. O antigo slogan, por exemplo, foi abolido para possibilitar essa expansão. Para sobreviver, durante os tempos de Milosevic, a B92 contou com ajuda externa de colaboradores ao redor do mundo, entre eles o megaespeculador húngaro George Soros. A programação da TV também abriu espaço para atrações como a versão local do Big Brother, que eram no mínimo inimagináveis para a B92.

Segundo o autor de Radio Guerrilha, o britânico Matthew Collin, e outras pessoas ouvidas por ele, a emissora continua com o seu jornalismo crítico e utiliza, como no início, o seu direito de liberdade de expressão. Mas o preço do crescimento seria, afim de expandir o público potencial da rádio e estender a mensagem que ate então estava restrita a um público específico, essa aproximação do mainstream. Hoje, a B92 é a terceira colocada em audiência nos Bálcãs, e seu site é o mais acessado da região. E ainda é considerada uma referência em abordagem crítica e independente na Sérvia. Um tamanho completamente inimaginável para seus fundadores, que vêem toda essa trajetória de uam forma bastante positiva.

Talvez o capital simbólico acumulado pela B92 tenha sido tão grande que tal “guinada” possa ser tolerada, desde que mantenham-se de fato os princípios de liberdade e independência que permearam a história da emissora. Ou ainda que as conquistas obtidas com essa abertura tenham compensado, de alguma forma, a moderação em sua postura. Afinal, apesar da Sérvia ainda viver sob certa instabilidade política, social e até mesmo geopolítica (em decorrência da questão que envolve a região do Kosovo), o contexto atual é diferente do vivido na década de 1990. Ou seja, a B92, na melhor das hipóteses (e em geral concordo com ela), estaria mais se adequando a esse novo contexto do que propriamente “enfiando a viola no saco”.

Nenhum comentário: