quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Os campos de estupro na Guerra da Bósnia

Conflitos armados em geral são pródigos em propiciar atrocidades de todo o tipo. Apesar da existência do termo “crimes de guerra”, os lados envolvidos não hesitam em lançar mão dos mais perversos meios de dominação e opressão em nome da vitória militar. Na Guerra da Bósnia, por exemplo, além das batalhas urbanas e dos campos de detenção e concentração, existiram também campos de estupro.

Sim, você leu certo. É o que mostra o artigo “Campos de Estupro: as mulheres e a Guerra da Bósnia”, elaborado pela pesquisadora Andréa Carolina Schvartz Peres, doutora em Antropologia Social pela Unicamp, a partir do trabalho de campo feito em Sarajevo, entre 2007 e 2009. A publicação consta nos Cadernos Pagu, periódico do Núcleo de Estudos de Gênero da mesma universidade; na internet, pode ser lida no site da biblioteca eletrônica Scielo.

Os chamados "campos de estupro" podiam ser tanto dentro dos campos de concentração "tradicionais" como em moteis, escolas ou residências privadas, aponta o jornalista Ed Vulliamy, um dos autores citados. No artigo, no entanto, não fica clara a existência de um total estimado desses locais específicos. Mas Associação para as Vítimas do Genocídio de Zenica, por exemplo, cita evidências de dezessete deles na cidade bósnia. Violações também eram registradas em praça pública.

O total de mulheres estupradas diverge de um estudo para o outro. A Comissão da Comunidade Europeia sobre o assunto, por exemplo, chegou a 20 mil vítimas de estupro e de violência sexual; O Ministério do Interior da Bósnia cita 50 mil; estatísticas extra-oficiais apontam que o total pode girar em torno de 60 mil e 100 mil vítimas.

De acordo com os dados levantados pelo artigo, 60% das vítimas de violência sexual eram bósnias muçulmanas, e os autores, soldados sérvios. Mas não se deve cair na tentação de apontá-los como os maiores culpados por tais crimes, que eram praticados por todos os lados do conflito. Minorias étnicas da região, como albaneses, tchecos e outros, além de homens e crianças, também foram alvo desse tipo de violência.

Os estupros, na verdade, eram verdadeiras armas de guerra. Por um lado, podiam ser usados como instrumentos de limpeza étnica e de tentativa de extermínio; de outro, eram noticiados pelas mídias locais e serviam para ajudar a inflamar os ânimos nacionalistas de todos os lados do conflito – “Eles estão estuprando nossas mães e irmãs”, por exemplo.

Conhecendo mais este lado da complexa Guerra da Bósnia, fica fácil entender porque o filme de Angelina Jolie, ambientado durante no conflito e que conta a história de amor impossível entre uma bósnia muçulmana e um soldado sérvio, causa tanta polêmica – já abordada em outros posts neste blog.

Eis aí mais uma das várias feridas ainda abertas da Bósnia e que custarão muito ainda a cicatrizarem...

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