domingo, 10 de outubro de 2010

Uma Bósnia ainda partida

O último 3 de outubro não foi dia de eleição somente no Brasil. A Bósnia também foi às urnas escolher os novos representantes do país, que se debate entre o sonho de se integrar à e as divisões político-étnicas que deixam um ar de incerteza no futuro do país.

O resultado foi menos pessimista do que o esperado pelos analistas internacionais, que previam grande abstenção dos eleitores não-alinhados com posturas nacionalistas, o que não ocorreu. Mas as tensões existentes entre os bósnios muçulmanos, croatas e sérvios mostram que o país, 15 anos após o fim da sangrenta guerra de separação da Iugoslávia, continua sendo uma terra partida.


Antes de falar da eleição propriamente dita, é necessária uma pequena explicação sobre a estrutura política do país. A Bósnia é composta por duas entidades : a Federação da Bósnia-Herzegóvina, de maioria bosniak (bósnios muçulmanos) e croata, e a Republika Srpska, do lado dos sérvio-bósnios. Cada uma das três etnias tem um presidente próprio e eles, juntos, exercem a presidência colegiada da Bósnia. Achou pouco? Pois essa fórmula incomum é só a ponta do iceberg.

Além da presidência tríplice, são 13 primeiros-ministros (um para cada entidade, um para equivalentes aos estados, mas com autonomia muito maior -dentro da Federação, e um para o distrito de Brčko, que, de acordo com decisão internacional, está submetido diretamente ao governo central e desfruta de grande autonomia); 13 constituições; 14 sistemas legais; e mais de 140 ministérios para uma população que beira os quatro milhões de habitantes, distribuídos por um território equivalente a um quinto da área do estado de São Paulo. Além disso, todos os documentos oficiais são escritos em dois alfabetos, o latino e o cirílico - mais comum nas regiões de maioria sérvia.



Agora, voltando às eleições. A votação teve participação maior do que a esperada, especialmente da porção antinacionalista do eleitorado. A principal mudança ocorreu do lado bósnio-muçulmano, com o moderado Bakir Izetbegovic, filho do ex-presidente Alija Izetbegovic, vencendo o então favorito e linha dura Haris Silajdžić, candidato à reeleição. Pelos bósnio-croatas, foi escolhido Zeljko Komsic; já os sérvio-bósnios reelegeram o conservador Nebošja Radmanović, cujo partido defende mais autonomia (e mesmo a separação da Republika Srpska), após uma disputa apertada com Mladen Ivanić, de postura mais liberal.

Em resumo, o eleitorado antinacionalista compareceu com maior força às urnas, mas ainda não o suficiente para mudar o atual panorama político da Bósnia. Os lideres sérvio-bósnios ainda querem mais autonomia, o que cria uma série de obstáculos para que a presidência tríplice da Bósnia de fato funcione – sem contar toda a estrutura já descrita acima, longe de ser um exemplo de eficiência. Entre os croatas há o desejo de que seja formada no país uma região dedicada à comunidade, a exemplo da existente para os sérvio-bósnios. Outro grande desafio é a economia, que caiu cerca de 3% em 2009, devido à crise global. Mas a complexa estrutura estatal e as disputas étnicas impedem decisões e a implantação de projetos mais duradouros para o país.

Integração à UE ou o fim do Estado bósnio nas próximas décadas, como acreditam certos políticos do país, em especial os de origem sérvia? A maior participação do eleitorado não-alinhado com as tendências nacionalistas é, certamente, a grande e positiva novidade da eleição. Se esse movimento significar o surgimento – mesmo que tardio – de uma consciência de que, sejam sérvios, croatas ou bosniaks, todos são cidadãos da Bósnia-Herzegóvina, ainda é cedo para dizer. Mas não deixa de ser um alento constatar que já existe uma parcela significativa da população que já percebeu que, independente da etnia, tentar manter uma convivência pacífica é um dos pré-requisitos para que a Bósnia possa evolui, econômica, política e socialmente.

Nenhum comentário: